Que ou Quê?

sexta-feira, 9 de abril de 2010

A palavra quê só tem acento circunflexo quando está substantivada ou no fim da frase:

"Ela possuía um quê todo especial." (= substantivo)
"Procurava não sabia bem o quê."
"Ele viajou por quê?"

No próximo post de "Aspectos Gramaticais": Tem ou Têm ou Têem?

Campus

Sem acento, é latim.

Plural: campi.

Se preferir, pode usar com acento gráfico: câmpus (forma aportuguesada). Nesse caso, o plural é os câmpus.

No próximo post de "Aspectos Semânticos": Dele / De ele

Etimologia - Acre e Rio Branco

A maior parte das origens dos nomes dos estados do Brasil é baseada na língua tupi-guarani ou língua brasílica, um idioma semi-artificial desenvolvido pelos padres jesuítas a partir de línguas nativas distintas para catequese dos indígenas e usado como língua franca no Brasil entre os séculos XV e XVIII. Uma minoria deriva de toponímicos e hagionímicos em língua portuguesa.

Acre - a partir de um erro de grafia de Aquiri, um rio da região (origem documentada); não é relacionado à unidade de medida territorial acre.

Rio Branco - capital do estado do Acre, nome dado em homenagem ao Barão do Rio Branco.

No próximo post de "Etimologia": Alagoas e Maceió

A origem da palavra "chofer"

Chofer é o aportuguesamento do Francês chauffeur - literalmente, o trabalhador da ferrovia que cuidava da caldeira (chauffage) das antigas locomotivas. Seria algo assim como o nosso foguista ou maquinista. Com o advento do automóvel, os franceses aproveitaram o termo para designar aquele que conduzia o novo veículo - até porque os primeiros modelos eram movidos a vapor e, portanto, dotados de caldeira. Por uma dessas coincidências históricas, os primeiros automóveis do Brasil vieram da França, trazidos pelo irmão de Santos Dumont e pela grande figura abolicionista que era José do Patrocínio, o que explica o fato de usarmos até hoje uma nomenclatura de origem francesa e não de origem anglo-saxônica. Da França nos veio capô, marcha à ré, embreagem, derrapar, giclê, chassi, entre muitos outros - vocábulos que os puristas hidrófobos do início do século XX combatiam, acusando-os de "galicismos". Os vocábulos ficaram, os puristas se foram; deve haver algum ensinamento nisso tudo.

Próximo post de "Curiosidades": Arigatô vem de obrigado?

A nível de...

(1) A solução simplista - Quando se discute a propriedade dessa expressão, alguns especialistas “da superfície” limitam-se a afirmar que não se usa A NÍVEL, mas sim ao nível ou no nível. Ora, como essa é uma solução prática e simples de aplicar — bastaria acrescentar o artigo definido “O” à preposição “A“, ou trocar o “A” pelo “EM” —, sinto-me, ipso facto, no direito de ficar indignado com essa multidão ignara que insiste em não aprender regra tão simples! Como se verá, não é tão simples assim…

(2) O significado de “nível” - Especialistas de maior substância, entretanto, não se contentam apenas com a indispensável presença do artigo, e fazem outra exigência para que a expressão seja aceita: como ela contém o substantivo nível, só deve ser empregada quando o significado deste vocábulo estiver presente: Eu não vou descer ao nível dele. Isso deve ser decidido no nível estadual. A cidade foi construída ao (no) nível do mar. Seu caráter não está ao nível de seu gênio. A água chegava-lhe ao nível do rosto. Note-se que, em todos os exemplos acima, a expressão refere-se efetivamente a níveis, no sentido estrito do vocábulo: “altura, grau, categoria”. Todas essas frases implicam altura ou posição relativa de gradação — e na maioria delas a expressão supõe comparação. Frase que não satisfizer esse requisito semântico está mal construída, e não vai ser o simples acréscimo de um artiguinho definido o remédio que vai curá-la. No jornal da TV, dizia a patrulheira rodoviária, fazendo o balanço dos acidentes do feriado: “A nível de mortes, tivemos apenas quatro; agora, a nível de danos materiais, registramos 12 acidentes”. Se trocarmos o “a” por “ao“, essa pérola de frase vai ficar mais palatável? Deus me livre!

(3) O outro uso do “A NÍVEL” - A situação que descrevi acima parece bem clara; as gramáticas e dicionários são firmes e esclarecedores nesse ponto. O verdadeiro enigma, contudo, é a adesão maciça dos brasileiros àquele outro “a nível” que se ouve e se lê por toda a parte, onipresente, muito mais poderoso:

A relação dos dois funciona muito bem a nível de cama. A greve deve ser avaliada a nível econômico. A nível das últimas estatísticas, podemos afirmar … Esta escola tem problemas graves a nível de recursos materiais. São dois produtos que não podem ser comparados a nível de preço. As modelos brasileiras têm formas mais generosas a nível de busto.

Antes que algum boi-corneta, iludido com o tratamento ponderado que estou tentando dar a este assunto, venha me acusar de demagogo, quero deixar bem claro que todas as frases acima são uma tortura para meu ouvido e que eu JAMAIS escreveria assim. O que me desagrada nelas, todavia, não é o emprego da preposição isolada; afinal, já estamos acostumados a muitas outras locuções adverbiais com a mesma construção, como a propósito, a rigor, a respeito de, a exemplo de, a despeito de, etc. O que me assusta é ver que a locução A NÍVEL cresceu como uma dessas criaturas da Ficção Cientifíca que vão aumentando de tamanho à medida que devoram suas vítimas; ela está gigantesca! Para muitos de nossos conterrâneos, ela já engoliu em relação a, quanto a, no que se refere a, relativamente a, no que tange, no que respeita, no âmbito, numa escala, na esfera, com relação, referentemente a, no que concerne, do ponto de vista de — isso só de aperitivo! Por que essa preferência? Bom, dessa vez não dá para dizer que é “imitação do estrangeiro”, porque essa teoria ingênua pressuporia que todos — ou quase todos — estivessem expostos a línguas estrangeiras (ainda mais se considerarmos o fato de que esta locução teve a audácia de não vir do Inglês!). Fiquem sabendo que, lá fora, a gritaria é igual: os franceses reclamam do au niveau de — e não é de hoje! Le Bon Usage, o rigoroso guia de etiqueta escrito por Grevisse para o Francês, lamenta que a expressão tenha aparecido em meados do séc. XX e que tenha sido, desde então, empregada “a torto e a direito, no lugar de diversas outras preposições tradicionais”. Os espanhóis também vociferam contra o a nivel de, considerado por muitas autoridades como uma expressão “semiculta” (acho que é uma maneira delicada de dizer “semiburra”). O manual de estilo do estupendo El País (na minha modesta opinião, um dos melhores jornais do mundo) não tem meias palavras e simplesmente proíbe esse uso “degenerado” da locução. Não sei qual é a opinião dos especialistas italianos, mas sei que na Itália também viceja o a livelo de. Como uma aftosa lingüística, a expressão terminou disseminada por todas as filhas do Latim. Pergunto de novo: por que este cartaz todo?

(4) A chave do mistério? — A qualificação de “semiculta”, dada pelos espanhóis, parece uma boa pista. O segredo do sucesso desse A NÍVEL esquisito é (1) sua aparência de linguagem cuidada e (2) seu valor como chave-mestra, que serve em qualquer fechadura. Como certas peças de roupa caras, mas de gosto duvidoso (será que eu não canso de comparar a linguagem à vestimenta?), o A NÍVEL deixa o usuário confiante, orgulhoso, crente de que está abafando. É ilusão? Nem tanto; enquanto as pessoas que já afinaram seu gosto nos bons textos do Português sorriem da ingenuidade e da pretensão de quem usa essa locução tão brega (uns, menos pacientes, até esbravejam!), os que tiveram pouca leitura ficam impressionados com o ar “moderno” e “tecnológico” da inovação. Se isso já não bastasse para atrair multidões, some-se o fato de que o A NÍVEL poupa ao cristão o trabalho de conhecer todas aquelas locuções adverbiais usadas até agora pelos escritores e o incômodo de procurar, entre elas, a forma mais adequada para cada frase. Economia, brilho fácil, cores vivas, versatilidade — qualidades invencíveis no mercado das roupas e das palavras. Meus leitores vão concordar que o problema é, no fundo, a miséria vocabular. Se um dos que me lêem, movido por minhas palavras, resolvesse banir o A NÍVEL de sua vida e o trocasse, em todas as suas frases, por “quanto a“, ou “no que se refere a“, a pobreza seria a mesma. Nosso idioma generosamente oferece à nossa escolha uma série de formas e expressões para introduzir essa mudança no assunto (ou tópico) de que estamos falando; infelizmente, muitos de nós não querem (ou não sabem) aproveitar essa riqueza. Estamos com o A NÍVEL debaixo da mira só porque ele está vencendo; nós o detestamos porque ele representa a vitória dessa insensibilidade crescente para com as coisas belas — entre elas, as palavras.

P.S.: Para meditar: o professor Luft, escreveu: “Pessoalmente, não gosto de A NÍVEL, nem uso. Mas, e os outros com isso?”

Próximo post de "Questões do Momento": A persistirem os sintomas